Ouguela (Alentejo, Portugal) em baixo; Alburquerque (Badajoz, Espanha) ao fundo.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

O professor vai embora e despede-se

Fotografia de Koen Jacobs

Uns vão, outros vêm e outros ficam... E hoje é a minha vez de ir embora. Cheguei a esta escola no ano letivo 2010-2011 e a meio deste ano 2019-2020 devo fechar os livros e pôr o ponto final no meu trabalho e neste blogue. Acabou tudo, pronto. Adeus, ou até à vista, sabe-se lá! Espero que tudo vos corra bem no futuro.

E para terminar mesmo, dado eu adorar a música, despeço-me de todos vocês com uma canção do português João Lóio. Uma beleza de letra e de música.

 
ESTA MENINA A DANÇAR

Esta menina a dançar
Tem um jeito a balançar
Que não deixa de sorrir
No chorinho mais rasgado
Seu corpo tão doirado
Faz o rastilho subir
Finjo que não é comigo
Faço de conta não ligo
E ponho os olhos no chão
E ao som do cavaquinho
Faço uma oração baixinho
Para ser meu seu coração

Esta menina é veneno
Ainda faz um novo aceno
Quer matar-me de paixão
Ao compasso do chorinho
A bater o seu pezinho
Encheu-me de solidão
Não deu conta do estrago
Seu corpo desvairado
O meu peito fez ruir
Pois à luz do seu gingado
Fico logo enfeitiçado
E já não posso dormir

Esta moça está doente
Ela dança impunemente
Bate palminhas na mão
Ela brinca com o vento
Seu corpo dá o tempo
O seu riso é uma canção
E até o surdo se dói
Do choro que ela constrói
Tem que olhar para aprender
E no ronco da cuíca
Ouve-se uma inveja aflita
Por ser ela a estremecer

Esta moça está doente
Ela dança impunemente
Bate palminhas na mão
Ela brinca com o vento
Seu corpo dá o tempo
O seu riso é uma canção
E até o surdo se dói
Do choro que ela constrói
Tem que olhar para aprender
E no ronco da cuíca
Ouve-se uma inveja aflita
Por ser ela a estremecer.


Voz, João Lóio. Letra, musica, orquestração e direcção musical de João Lóio.


Fotografia de Fernanda :)



quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Linha do tempo (Fábio Abreu)




"Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo ..." (Sophia de Mello Breyner Andresen)



Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6 de novembro de 1919 — Lisboa, 2 de Julho de 2004)

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.



"Terror de te amar" in «Coral» (1950) Natália Luiza in Gastão Cruz (ed.), Ao Longe os Barcos de Flores (Livro + 2 CDs, Assírio & Alvim, 2004) Audio: Prelúdio coral de J.S. Bach, "Ich ruf zu Dir, Herr Jesu Christ" [Chamo-Te, Senhor Jesus Cristo], BWV 639. Atriz: Telma Santos.




O tempo não para



Porque o tempo, o tempo não para. Fotografia de Gabrielly Caneschi.




quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A versão original de 'Mudemos de assunto' do Sérgio Godinho

Fotografia de Luiz Felipe Sahd

Há quatro anos foi publicada aqui uma versão mais recente desta canção composta por Sérgio Godinho. Cantavam ele e Jorge Palma. Hoje podemos ouvir a primeira versão onde canta apenas Godinho.


MUDEMOS DE ASSUNTO

Andas aí a partir corações
como quem parte um baralho de cartas.
Cartas de amor,
escrevi-te eu tantas;
às tantas, aos poucos
eu fui percebendo,
às tantas eu la fui tacteando,
às cegas eu lá fui conseguindo,
às cegas eu lá fui abrindo os olhos

E nos teus olhos como espelhos partidos
quis inventar uma outra narrativa
até que um ai me chegou aos ouvidos
e era só eu a vogar à deriva,
e um animal sempre foge do fogo
e mal eu gritei: fogo!
mal eu gritei: água!
que morro de sede,
achei-me encostado à parede
gritando: livrai-me da sede!
e o mar inteiro entrou na minha casa.

E nos teus olhos inundados do mar
eu naveguei contra a minha vontade,
mas deixa lá, que este barco a viajar
há-de chegar à gare da sua cidade,
e ao desembarco a terra será mais firme.
Há quem afirme,
há quem assegure,
que é depois da vida
que a gente encontra a paz prometida;
por mim marquei-lhe encontro na vida
marquei-lhe encontro ao fim da tempestade.

Da tempestade, o que se teve em comum
é aquilo que nos separa depois
e os barcos passam a ser um e um
onde uma vez quiseram quase ser dois
e a tempestade deixa o mar encrespado;
por isso cuidado,
mesmo muito cuidado,
que é frágil o pano
que enfuna as velas do desengano,
que nos empurra em novo oceano,
frágil e resistente ao mesmo tempo.

Mas isto é um canto
e não um lamento,
já disse o que sinto,
agora façamos o ponto
e mudemos de assunto
sim?







Mariquinha (Bonga)

Fotografia de José Carlos Costa


Bonga é um cantor e compositor angolano, e nesta canção há referências a uns tempos muito difíceis para Angola: tempos de guerra, dor e morte.


MARIQUINHA

Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola

Vem ver minha terra, minha gente
Acabar com a guerra, sim, de verdade
Ai que canseirra, mas nós somos irmãos

Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola

Paz em Angola, mantida
Com liberdade, pra sermos felizes

Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola

Vem ver minha terra, minha gente
Acabar com a guerra, sim, de verdade
Ai que canseira, mas somos irmãos

Mariquinha, vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola

Paz em Angola, mantida
Com liberdade, pra sermos felizes

Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola

Vem ver minha terra, minha gente
Acabar com a guerra, sim, de verdade
Ai que canseira, mas somos irmãos

Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola

Paz em Angola mantida
Com liberdade, pra sermos felizes

Mariquinha vem comigo pra Angola
Mariquinha vem comigo pra Angola
Ah ah ah vem cá, ah ah ah vem cá
Ah ah ah vem cá, ah ah ah vem cá






Professores (André Carrilho)



Autor: André Carrilho

Podiam traduzir para português estas palavras... Fica bem claro de quem é essa mão que está a apagar a professora, não fica?


Honorable mention at the Porto Cartoon 2014, Free Subject category.

Published in Diário de Notícias, September 15, 2013.

As part of the everlasting rounds of budget cuts and austerity measures, the portuguese government reduces the number of teachers in public schools. Among these government employees, unemployment rises by 26,4% in August 2013. Apparently for this administration the best way to reform public education is just saying "no".



Madassa – o menino que não conseguia aprender a ler

Fotografia de José Carlos Costa

Madassa – o menino que não conseguia aprender a ler

Madassa

Madassa não sabia ler nem escrever.
Madassa tinha a idade que as crianças têm quando sabem ler e escrever.
Mas Madassa não sabia ler nem escrever.

Na cabeça de Madassa não havia lugar para palavras.
Na cabeça de Madassa habitava apenas o medo, escuro e negro, causado pelos barulhos da guerra, e pelos mortos, muitos mortos.

Na cabeça de Madassa vivia uma raiva imensa cheia de porquês.
Como se as perguntas fossem garras dilacerantes.
Na cabeça de Madassa pairava um nevoeiro de tristeza.
Tão espesso que ele não conseguia lembrar-se sequer da cara do irmão ou da irmã, cujo paradeiro ninguém conhecia.

Havia dias em que, na cabeça de Madassa morava a mesma fome que lhe enchia o ventre. A negrura do medo, as garras da raiva, o nevoeiro da tristeza – e, em certos dias, a fome – ocupavam toda a cabeça de Madassa.
Na cabeça de Madassa não havia lugar para as palavras.

A professora já não sabia o que fazer para ajudar Madassa.
Quanto tinha tempo, lia-lhe histórias que ele sozinho não conseguia ler.
Lia-lhe a história do Pequeno Polegar, que tivera tanto medo na floresta.
E o medo do Polegarzinho passeava pela cabeça de Madassa.
Lia-lhe a história de Martinho , que estava sempre irritado.
E a irritação do rapaz era igual à que existia na cabeça de Madassa.
Lia-lhe a história da Menina dos Fósforos.
E a tristeza da Menina chorava na cabeça de Madassa.
A professora contava-lhe também a história de Pedro e a Lua, do menino que queria fazer florir a terra inteira com plumas de pássaro.
E as plumas dançavam na cabeça de Madassa.

E, entretanto, o que acontecia na cabeça de Madassa?
O medo do Polegarzinho deixava palavras para exprimir o medo.
A cólera de Martinho deixava palavras para exprimir a cólera.
A tristeza da Menina dos Fósforos deixava palavras para exprimir a tristeza.
A dança das palavras de Pedro e a Lua deixava palavras que davam vontade de dançar.

Certa manhã, as palavras, fortemente agitadas, não quiseram ficar na cabeça de Madassa.
Então, o menino pegou num caderno, numa caneta, e, embora desajeitadamente, como uma criança que aprende a andar, escreveu:

Madassa medo
Madassa cólera
Madassa tristeza

Madassa por entre as ervas
Madassa ao vento
Madassa na água

Madassa cinzento preto azul
Madassa vermelho amarelo preto
Madassa cinzento amarelo verde

Madassa galo tigre
Madassa sol

─ Um poema! ─ exclamou a professora. ─ Escreveste um poema!

Então escrever é isto!
Pegar nas palavras das histórias e transformá-las nas palavras de Madassa.
Mas é preciso ler muitas histórias para ter muitas palavras.

Madassa começou a ler.
E a escrever também.
Quanto mais lia, mais escrevia.
Quanto mais escrevia, mais vontade tinha de ler.
Era um círculo mágico.

Madassa não sabia ler nem escrever.
Mas enchia agora cadernos e mais cadernos.
Talvez um dia escrevesse um livro.

Madassa escritor.


Michel Séonnet
Madassa
Paris, Ed. Sarcabane, 2003
(Tradução e adaptação)


(Lido em Contadores de histórias)




Clara Não




terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Esse coração...


Pela Graça é o titulo desta fotografia tirada com telemóvel por Patrícia Simões.

E o que é "Graça"? É que a fotografia foi tirada no bairro lisbeta da Graça. Vejam em baixo.


Mapa de Lisboa. Bairros (Anita Cortiza-Reprodução)